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quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Sobre Todas as Coisas

A Origem

Faz um tempo que a sombra da vida do lugar era feita de mangueiras, cajueiros, em meio ao passar desse tempo o nublado das nuvens fora contaminado de sombras mais hostis como maldades de bruxas de tela menor e falta de identidade, de tradição hoje ignorada.
O beco íngreme era passagem obrigatória nas madrugadas frias e chuvosas, e nas madrugadas de mormaço, e nas tardes de descanso...
No poente o três sete segue com jogadores concentrados.
Tah, sentado ao lado,  era o camarada pensador, divagava na sua filosofia e falava palavras difíceis que não conhecia o significado direito e mal sabia pronunciar, mas insistia. Falava de coisas como conversação e via na prosa a arte de viver.
Passando a limpo a pescaria do dia anterior, Tah falava sobre a vida e o que aprendera em relação a expressão: “o mar não tá pra peixe”, não estava. 
Falava de coisas que não entendia, da história da criação...
... Questionava São Domingos, o padroeiro, um relacionamento um tanto deteriorado naqueles dias, em que o pescado era raro, lembrava que poderia, com uma canoa  maior, de mais cavernas, uma rede de fundo que pudesse trabalhar de verdade, mataria o cardume perdido, com mais sorte talvez, mas, que sorte?, Tah não acreditava na sorte, era temente as coisas da natureza... apenas, mas só a elas: a trovoada, os relâmpagos, o que podia ver... mas que não podia controlar.
Calculava o quinhão de cada um e tinha preceitos especiais para sua parte, nunca vendia tudo.
 Balbuciou: "Diz que Deus criou tudo, que Deus é sabido, que Deus é perfeito, mas né não, se fosse não deixava a gente nessa pindaíba, todo dia, sem um peixe... que Deus bom será esse que não vê o que a gente passa?".
Dudô era um moreno esguio, forte por natureza, de poucas palavras... ousa porém em refutar: "mas se não foi Ele, quem foi homem?" Tah, sem nenhuma cerimônia dizia: "o homem, esse sim inventa tudo, acho mesmo que inventou Deus, só para humilhar a gente, pra dizer que a gente é fraco, burro, que não sabe de nada"...
No que Moque, mais religioso, entra na prosa da história e diz: "Vocês não sabem de nada... nem vocês, nem homem nenhum... Deus só deixa saber o que ele quer, e se a gente não matou aquela mancha, é porque Ele não quis, Ele manda é em tudo, e você Tah é um infame falando assim Dele, por isso que nós perdemos o peixe"...
Tah volta a retrucar, zangado: "Porra de nada, daqui a pouco você vai dizer que sou excomungado, e culpado de perder o peixe... vou dizer uma coisa... O mundo começou quando a Natureza quis, e só aqui, na Terra... e o homem nasceu de outro homem, e o peixe nasceu de outro peixe, e o homem come o peixe, e a terra come o homem, e o peixe come a terra"... assim que é".
Pastinho, o velho, comenta a meias palavras... "você diz muita besteira Tah, só Deus pra te perdoar, mas, você está certo numa coisa, a gente está  esquecido por São Domingos, três semanas, sem trazer nada, o Santo não liga mais pra gente" ... Batido, grita na roda Domingos anunciando a vitória na partida do três sete, sem interesse no rumo da prosa.